segunda-feira, 4 de março de 2019

 

A hora de Lage, aconteça o que acontecer.

O campeonato ainda vai no adro, mas a verdade é que a cabeça da procissão mudou e não dá agora para dissociar o nome de Bruno Lage dessa mudança. Não é segredo nenhum que nunca acreditei na vitória no Dragão. Fosse porque três anos e meio de vitalismo me haviam deixado desprovido de crença e esperança, fosse porque a equipa de Lage continuasse a exibir perdas de bola em zonas do terrenos que propiciam a adversários organizados o lançamento de ataques que, se rápidos, podem apanhar a nossa defesa desorganizada.

Olhar para o onze titular do Porto e ver que Conceição optou pela fineza de Óliver e não pela força bruta de um dos touros que tem para lá e de que gosta, fez crescer em mim esse medo. Medo exarcebado por um meio campo de combate personificados em Samaris e Gabriel, dois jogadores dados a perderem a cabeça e fazerem entradas extemporâneas. Um dos dois, como é sabido, havia de confirmar esta segunda parte.

Indo ao jogo a verdade é que o vencedor da posse de bola não foi nem Porto nem Benfica. Foi o espaço aéreo do Estádio do Dragão. Quando assim é dificilmente se pode falar num clássico bem jogado. Mas a verdade é que a haver uma equipa que se diga que tenha tentado, ao longo do jogo, entrar para a UEFA Champions League e não para a NFL, essa equipa foi o Benfica. E se chamo esse dado à baila é porque para mim era o importante na avaliação final de Lage. Podia o Benfica ter sofrido um ou dois golos que alterariam o resultado final? Podia. Aliás, não fora uma antecipação de Samaris e duas intervenções de luxo de Odysseas e estaríamos a falar aqui de um resultado diferente, sem termos de falar de um jogo diferente. Um jogo que Lage preparou para a equipa não abdicar da sua personalidade. Uma equipa que quer atrapalhar o adversário assim que perde a bola e com isso tentar recuperar o mais longe possível da sua baliza. Que força o adversário a lateralizar para assim ganhar tempo para se posicionar. Uma equipa que faz do jogo colectivo a arma mais forte para entrar na defesa. E um equipa com um sentido de colectivo e onde os jogadores todos têm noções do que fazer em diferentes zonas do terreno. Não raras as vezes Pizzi foi visto a começar jogadas para Rafa no mesmo corredor. Ou Félix a descer para dar uma ajuda a um lateral. Ou Samaris a fazer de central. Faltou Odysseas a fazer de ponta de lança e Seferovic a guarda-redes? Faltou, mas aposto que só porque o Porto não deixou.

Do lado do Porto os grandes destaques são Óliver e Brahimi. Só nos pés destes é que a bola se sentiu amada e acarinhada. É de facto um regalo ver o maestro espanhol. Relembro um lance da primeira parte em que recebe no meio, orientado para a sua baliza, e imediatamente os dois centrais levantam o braço a pedir bola. O Espanhol recebe, ameaça rodar para um lado, leva o médio do Benfica a orientar-se para esse lado, e foge para o outro a transportar a bola. Os centrais ficaram a protestar. A bola alegrava-se por sair docemente dos braços do seu amante Espanhol para ser encaminhada na direcção do seu amante Argelino. Quem estranha que Neto de Moura seja juiz, e quase herói, no Porto, só tem de olhar para o tratamento que a equipa do FCP dá à redondinha para perceber que naquelas cabeças maus tratos são o normal. É normal bater. É normal que Pepe possa crescer como foi crescendo para Félix ao longo do jogo e ninguém ache que merece uma admoestaçãozinha. Nem sequer lhe furou o tímpano, dirão os mais pur(t)istas!

Já do lado do Benfica o jogo até correu bem. Correu bem porque se entende que sendo a Liga no Porto há uma possibilidade real de se apelar da expulsão de Gabriel para a Relação do Porto e o caso acabar julgado por Neto de Moura. Digamos que com o que Gabriel fez na arte da dominação do meio campo, só terá faltado vazar uma vista e rebentar um tímpano a alguém de azul e branco para ser totalmente perdoado. Não por falta de oportunidade diga-se! Como é que ele poderia saber que agredir alguém neste jogo dava para cartão, se nos dez minutos antes de ser expulso andou a sofrer faltas não assinaladas? Aposto que se lhe tivessem dado a certamente que o Otário a esta hora andava a alimentação líquida! Aliás, sobre o sururu que se formou convém falarmos aqui de outro jogador. Alguém reparou que quem foi a voz da razão e tentou acalmar a coisa foi Samaris? Dissessem-me há três meses que havia confusão no relvado do Dragão e eu apostaria o direito (rim? olho? colhão? todos os anteriores?) em como era com Samaris. Andreas "Hippie" Samaris é outra invenção fabulágica que a equipa agradece.

Quanto aos golos vou só falar aqui do segundo do Benfica. Não falo do golo acho que legal do Porto. Não falo do golo que resume o Lagismo de Félix. Falo do golo do homem que ao ver Félix feliz a festejar o empate foi ter com ele, pega nele e lhe diz "anda daí caralho, que temos de ganhar esta merda". Vou falar de Rafa. Vou falar do pé frio de Rafa. Vou falar do coxo. Vou falar do Rafa porque ninguém diz que este Rafa é o mesmo mal amado do Terceiro Anel. Um homem que teve de atravessar brasas descalço e em marcha lenta para agora se assumir como um foco de calma e um perigo para os adversários.

Elogiados Lage, Óliver e Samaris fica-me a faltar apenas um jogador. Iker Casillas não merece que metade, ou mais, do plantel do Porto dividam o balneário com ele. Não fora ele e o resultado ao intervalo seria bem mais interessante. Foram três intervenções sozinho contra a onda vermelha. Tal como no jogo da primeira volta. E no do ano passado na Luz. E o do outro ano na Luz. E ainda o outro. Este ano, ao contrário de outros, Casillas não deu pontos. Se metade do plantel tivesse metade da noção do que fazer, que Casillas tem, o Porto não tinha acabado a atirar bolas para o coração da área Benfiquista, onde Ferro ia limpando tudo com a mestria e a classe que normalmente só uns gajos de barba feita e a bater nos 30 conseguem. Se Rúben se prepara para ser um novo Luisão, todos os anos a sair e a ficar para ajudar o seu parceiro de eixo a ir para novos desafios, Ferro prepara-se para ir para um clube que o ajude a crescer antes do seu parceiro. É que quando estão juntos fica evidente que há um que está à frente. E não é o que está há mais tempo.
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