quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

 

Assalto ao Castelo - Burro velho, não aprende línguas...

Os mais velhotes, que é velhos que estamos a ficar, lembrar-se-ão certamente que a saga do polícia John McClane, conhecida hoje em dia por Die Hard, começou por ser o Assalto ao Arranha-Céus, seguida de Assalto ao Aeroporto. O título inglês contém em sim um jogo de palavras interessante. Não só o personagem titular se recusa a morrer nas cenas mais inverosímeis, um pouco como Sálvio insiste em aparecer na ficha de jogo, também os vilões encontram o seu fim em cenas bem macacas, um pouco como Félix parece talhado para retalhar defesas. Mas há um piscar de olhos naquele título ao ditado old habits die hard, que apesar da sua tradução literal poder ser hábitos antigos custam a passar, na sabedoria popular já há muito se enraizou que burro velho não aprende línguas.



Ao terceiro encontro sob a orientação de Bruno Lage, o Benfica enfrentou o seu primeiro grande desafio. Se o Rio Ave tem qualidade individual que o Santa Clara não tem, a verdade é que também o seu treinador se estreava aos comandos da equipa na Luz. Se o treinador do Santa Clara tem feito um trabalho muito interessante para deixar os Açores na Primeira, não é menos verdade que a diferença de qualidade individual para o Benfica não permite esperar muito mais do que perder por poucos, e depois ver para onde sopram os ventos da fortuna. Já no Vitória Sport Club, que tratarei por Branquinho só para não ter de pronunciar a palavra Vitória, um plantel feito com jogadores de qualidade, acima até à do Rio Ave, e boa orientação técnica, personificada na figura competente de Luis Castro, estão casados há mais de seis meses. Se havia adversário para aferir o que duas semanas de Bruno Lage deram à equipa, este era o adversário.

A análise, se é que análise se pode chamar, à partida remete muito para o imaginário da série Die Hard. Os filmes caracterizam-se por um recurso à violência muito acima do que são os limites do aceitável. E assim foi com o Branquinho! Gozando do que alguns chamam um critério largo, os jogadores do Branquinho foram querendo criar contraste com os jogadores do Benfica através do recurso a técnicas que tornariam o jogo num equipamentos brancos contra nódoas negras. Várias entradas para lá do limite das leis, não penalizadas por um dos agentes da marca dos seus equipamentos, criaram nos jogadores Vimarenenses um sentido Yippee Ki-Yay, Motherfucker! de cada vez que disputavam um lance.



Só que, passe a redundância, é redutor reduzir o Branquinho à sua capacidade demolidora de causar inveja a Miley Cyrus no clip de Wrecking Ball (bastante apreciado aqui no Estaleiro). A equipa de Luis Castro foi, a partir da meia hora de jogo, conquistando metros no terreno, através de uma pressão intensa progressivamente mais alta e de corte de linhas de passe. Sabendo que da linha recuada do Benfica, três em cinco jogadores têm dificuldades em sair com a bola nos pés, houve uma aposta em forçar o bombo para se ganharem as bolas mais à frente. A estratégia foi dando frutos, mas só após se verificarem algumas premissas, tais como cansaço acumulado, e um meio campo que perdeu a noção de descer para ajudar a defesa.

Um dos problemas deste Benfica é precisamente essa ajuda. Se Pizzi dá pouco apoio, Gabriel, Fejsa e Samaris procuraram fazê-lo, mas obtendo diferentes graus de sucesso.

Por partes: Gabriel foi muito eficaz na ligação entre defesa e ataque enquanto a forma física lhe deu a capacidade de discernimento para o fazer; Fejsa tem, nestas duas semanas, redescoberto uma capacidade de jogar com bola que lhe desconhecíamos desde que o 433 vitoriano montou arraiais na Luz, mas mesmo assim insuficiente para o que se exige; e Samaris procurou fazer essa ligação, com algum sucesso, conquanto a bola andasse por perto dele. Falta então falar aqui dos centrais. Jardel com espaço parece um bom central com bola. Se lhe fecham os espaço parece um cachorrito bebé alimentado com uma garrafa de whisky: até pode ser que a bola lhe bata nos pés e tome a direcção certa, mas o factor decisivo é que a bola lhe bate no pé e não é o pé que direcciona a bola. Rúben é mais limitado, está ciente da limitação e não se mete em aventuras. Se Fejsa varre o campo a toda a largura e confia em Gabriel para as dobras, Samaris prendeu-se mais a um lado e entregou o lado oposto a um Gabriel já cansado e sem o discernimento do início do jogo. E a equipa ressentiu-se.


No entanto, nem só de limitações técnicas com bola vive a equipa do Benfica. Algumas peças importantes no jogo sem bola foram também ficando mais cansadas, outras foram saindo e os que foram entrando não deram o mesmo. Nestas é de particular importância a troca de Zivkovic por Sálvio. Se o Sérvio fez um jogo mau, em que deu mais boas intenções do que outra coisa, o Argentino deu um canto. Só. Nem reacção à perda, nem auxílio à defesa, nem ajuda a transportar jogo. Só se explica a sua renovação recente num contexto de parcerias estratégicas nas águas turvas do Mar Negro, porque o que dá à equipa em termos de jogo recomendam um contrato das Arábias, nas Arábias, para não dizer no caralho! Fiquei com a sensação que teria sido mais proveitoso trocar Krovinovic por Pizzi e colocar o Sérvio na direita. Pior não faziam e Pizzi sempre descansava para o próximo assalto ao Castelo.


A questão então é porque é que comecei este texto com todo aquele discurso sobre a saga de filmes? Não foi só para falar da violência tolerada aos jogadores da Cidade-Berço, não! Há hábitos que custam a passar e o Benfica demonstrou-os todos na segunda parte. A forma como a equipa se revela incapaz de ultrapassar a defesa do Branquinho com bola é um eco do passado. O recurso ao chutão para uma corrida louca idem. Mas já  coisas boas. Naquela primeira meia-hora de domínio absoluto percebemos que afinal não há uma lei que impede o uso do corredor central para se contruirem jogadas. Aliás, as duas coisas que Lage já trouxe foram verticalidade na forma de jogar e reacção à perda. Agora é trabalhar para melhorar ambas e fazer com que durem mais de meia hora. A fé que bom futebol é possível renasceu, é só trabalhar para que ela viva.

+

+ Rúben Dias. Um jogo imperial, no sítio certo, à hora certa. Quando desliga o modo intempestuoso e se foca consegue exibições como a de ontem. Premiado com uma assistência que explica ao mais bronco dos adeptos a diferença entre tocar o bombo e fazer um passe longo, foi também imperial no posicionamento e na dobra de companheiros de sector. Sabe que não tem os pés mais delicados do mundo da bola, portanto preocupa-se em fazer o que sabe e consegue sem complicar. Não é vistoso, mas resulta.

+ Svilar. Se trabalhar e conseguir melhorar em cima da exibição de Guimarães, tem tudo para cumprir tudo o que se disse dele antes de a anterior gestão ter decidido dinamitar a confiança de um júnior. Bom a cruzamentos, bom posicionamento entre os postes, boa noção de profundidade na área e ainda uns pezinhos bem mais seguros do que os de Vlachodimos. Face aos últimos jogos do helénico, arrisco dizer que marcou pontos na luta, deixando os adeptos a savilar pelo que pode dar.

+ Gabriel. Melhor jogo desde que chegou ao Benfica. Deu o estoiro mais ou menos quando Sálvio entrou em campo, mas até aí foi primeiro construtor de jogo, demolidor implacável de vontades vimarenenses, maestro aprendiz. Está a beneficiar e muito de um treinador novo. Por aqui é aproveitar para carburar nos treinos. E passar umas noites com Fejsa a perceber o segredo do Sérvio para estar em todo o lado. E levem o Gedson com vocês, que o saber não ocupa lugar.

– Sálvio. Só jogou meia hora, mas foi o suficiente para ser o pior em campo. Ziv fez um dos piores jogos da época, mas face ao que o Argentino não fez, o Sérvio deixou saudades. A primeira acção de relevo de Sálvio é uma falta que faz fruto de... falta de jeito! Chega tarde a um lance, tropeça em si mesmo e ao cair empurra o adversário que lhe fugia. Teríamos de esperar pelo minuto 80 e picos para outra acção de relevo, ao ganhar um canto depois de se colocar num nó de adversários quando instantes antes poderia ter dado num companheiro melhor colocado para prosseguir as jogadas. Dizer que foi um defesa adversário seria estar a dar-lhe mais relevo do que realmente teve. O Branquinho agradeceu o nunca estar onde devia e nunca saber o que fazer. Seria necessário esperar pela entrada de Gedson, a dez minutos do fim, para que a ausência de Sálvio começasse a ser colmatada. Para não ser acusado de só dizer mal, direi que foi muito útil para Lage perceber o que melhorar quando treinar os momentos em que a equipa tiver menos um em campo. Lembram-se do burro velho que não aprende línguas? Pois...

– Zivkovic. Um dos piores jogos da época. Um bom lance no segundo minuto prometia muito mais. Sempre muito por dentro da defesa vimarenense na primeira parte, o que seria útil se conseguisse contruir aí dentro, foi mais útil a limitar a primeira fase da construção do Branquinho do que a combinar com colegas e portanto ofensivamente nunca conseguiu dar os rasgos e o brilhantismo que são seu apanágio. Só não foi o pior do Benfica porque... Sálvio!

– Hugo 'Maccron' Miguel. Aqui ia pôr um misto de Jardel, Almeida e Pizzi, que longe de bons, tiveram um somatório de falhas que poderiam ter sido decisivas. Só que houve algo que estragou o jogo e isso foi o fraco profissionalismo do árbitro. Diz-se por aí que é representante da marca que equipa o Branquinho. Se isso for verdade, então fez um muito mau serviço na divulgação da mesma. Não que os jogadores da equipa da casa não lhe dessem motivos de sobra para dar cartões em barda, por via de darem porrada sem fim nos da equipa visitante. Ele é que não quis! Com o jogo em sinal aberto, aquele logotipo teria tido muito mais tempo de antena. Nem estaria aqui mencionado não fosse o facto de ter investido muito mais em divulgar a marca concorrente. Se é certo que deveria ter sido mais ríspido para com Jardel (uma liability em forma de central), se aplicasse o mesmo critério que levou ao amarelo a Pizzi apenas podemos especular se o VSC chegaria ao intervalo com nove em campo e o jogo acabaria lá para o minuto 70, ou se ao fim de dois ou três cartões bem mostrados, os da casa procurariam ganhar os lances por melhor posicionamento ou desarmes limpos. Ficará sempre a questão...
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