quarta-feira, 24 de outubro de 2018

 

Benfica em Amsterdão: Normaal. Doen.

A campanha do VVD que reconduziria Mark Rutte como minister-president foi conduzida sobre o lema "Normaal. Doen.". A tradução literal será qualquer coisa como "Normal. Faz-se." Confesso que andei às voltas para encontrar uma frase que traduzisse na sua essência o que foi a viagem do Benfica a Amsterdão para defrontar o Ajax. Tinha-me decidido com um Audaces Fortuna Iuvat, mas senti que o lema dos Comandos poderia induzir em erro e os meus leitores pensarem que eu estaria a comentar a prestação do Ajax e não a do Benfica. E aí lembrei-me como o Benfica nos últimos dez jogos na Champions conta com nove derrotas e a única vitória ser aquele chouriço de Atenas. Normal perder. Faz-se. Ver o jogo também deu uma sensação de um dejá vu de partidas recentes. Alguém se lembra daquele jogo na Luz em que o Benfica ainda tenta ganhar na primeira parte e na segunda baixa as linhas e tenta estoicamente defender o empate, sofrendo um golo num remate de fora da área, no caso pelo Herrera? Normal não querer ganhar e perder. Faz-se. O Benfica em Amsterdão integrou a cultura de normalidade Holandesa e brindou os seus adeptos com a normalidade reinante no consulado vitoriano. Não quis ganhar o jogo, deixou peso morto no relvado quando decidiu tarde mudar algo e sofre um golo quando o adversário faz uma pressãozinha final. E perde. Tudo normal no novo paradigma portanto!

A melhor forma de comentar a partida será mesmo começar pelo fim. O resultado é de uma injustiça atroz para três dos jogadores com melhor prestação da noite. Começa numa infeliz não-intercepção de Conti, a afirmar-se como provavelmente o melhor da central da equipa, envolve um toque infeliz de Grimaldo, um dos melhores em campo e acaba em golo, apesar de todos os esforços que Vlachodimos teve para o evitar. Só faltou um infortúnio de Rafa, substituído minutos antes, para todos os jogadores que mostraram nível de Champions terem um azar qualquer naquele golo.

E se o resultado traduz o que se passou no relvado ao longo da totalidade do jogo, ao intervalo teria sido injusto. Isto porque o Benfica nem começou mal o jogo. Parecia haver uma clara intenção de jogar pelo chão, evitando assim a necessidade de Seferovic, mais uma vez triste só e abandonado na frente, ter de lutar por bolas aéreas sem critério com a dupla de centrais Blind-de Ligt. Foi inteligente não o fazer porque entre um maduro como Blind e um dos melhores centrais jovens da Europa, a coisa ficaria complicada para o nosso Canivete. Assim sendo o Benfica acabava por dar muito espaço para o Ajax progredir, pressionava normalmente só à passagem do meio-campo e tentava na medida do possível meter a bola no seu corredor esquerdo. E se a bola chegasse ao corredor esquerdo do Benfica, era a miséria. Miséria da defesa holandesa que teve imensas dificuldades em travar o Rafaldo, aquela dupla formada por Rafa e Grimaldo. Só por via do talento daqueles dois, com o apoio aqui e ali de Pizzi e algumas combinações com o solitário canivete de ponta romba Seferovic, é que o Benfica se acercava da área de Onana. O Ajax por seu lado respondeu bem. Progredia pelo centro até ao meio-campo e depois variava para o flanco direito do Benfica. Um sinónimo de "flanco direito do Benfica" poderia ser "a zona onde o Benfica se esqueceu de colocar jogadores", tais as facilidades que os holandeses tinham em passar por Gedson, que era a única coisa parecida com pressão, ou por Conti, a personificação da contenção ou para falar de factos, da compensação.

Um bom resumo da primeira parte seria pois que muita miséria os lados esquerdos do ataque trouxeram aos lados direito das defesas. Muita bola pelo chão, mas o Benfica com medo de arriscar passes de ruptura, algo que o Ajax fazia e bem, em particular Frenkie de Jong, instrumental a tirar de jogo todo o meio campo Benfiquista, quer pelo que não deixava construir quer pelo que construia depois. Gedson andou sempre por perto dele mas nunca conseguiu impedir nada de significativo e foi muitas vezes ultrapassado, quer em posse, quer através de tabelas. (Seria interessante de ver como evoluiria Gedson e em que tipo de jogador se tornaria, com um treinador que valorizasse o treino e uma forma de jogar inteligente, mas) face à proximidade que teve com Frenkie de Jong, foi evidente a papinha que Gedson tem de comer para poder dizer que é um jogador de top. E teremos de nos questionar se o refeitório que frequenta tem o melhor chef para lha dar... Na defesa Conti era o abono de família. Tem dificuldades ainda em manter a linha defensiva, mas compreende-se a falta de entrosamento porque chegou ao plantel há cerca de um mês (ai não?!) e não ajuíza ainda muito bem alguns tempos de entrada, mas foi o único que estava no sítio certo à hora certa, transporta a bola como há muitos anos um central do Benfica não o faz e ainda teve o brinde de tirar uma bola já quase para lá da linha de golo e assim evitar o golo do Ajax, naquela que terá sido a única falha de Vlachodimos. Por falar nele, ontem vestiu a camisola de Odissalva Vlachodeus. Duas defesas no 1x1, muita atenção a cruzamentos venenosos e o bom jogo de pés fazem dele já uma certeza e um melhor exemplo para Svilar do que Varela. Ah! Sálvio teve a sua boa acção na partida aos 37 minutos.

Da segunda parte não há muito a dizer. O Benfica entra retraído, deixa de tentar sair a jogar, o Rafaldo ao fim do primeiro quarto de hora já não tinha a velocidade de Rafa e a capacidade de transportar bola dependia em grande parte de onde no terreno se recuperava a bola. Mais atrás não passava do meio campo, mais perto do meio até se conseguiria rondar a área adversária. Vlachodimos voltou a vestir a camisola de herói ao defender a segunda situação de 1x1 que o Ajax criou na partida e, ao cair do pano, Conti falha uma intercepção sem pressão e a velocidade do lateral do Ajax constrói a jogada que acaba num remate do lateral contrário que desvia em Grimaldo e trai Vlachodimos.

Do jogo ficam muitas questões. Para começar a gestão dos alas. Sálvio só não foi mais inútil do que é costume porque não fez nada. Normalmente só faz asneira, pelo que não fazer nada é uma melhoria. Rafa rebentou perto dos 60 minutos. No entanto demorou e demorou e demorou a sua substituição... Por Cervi! Jogar com Cérvio é pedir que o laterais adversários castiguem a nossa área. E foi isso que aconteceu com o lateral-esquerdo do Ajax a criar a jogada que o lateral direito finalizaria. Seferovic foi um espectador esforçado na segunda parte. Não havia um Jonas no banco que pudesse entrar nem que fosse ali os últimos 10 minutos? Tirava-se o Sálvio se fosse preciso, também não estava lá a fazer nada! Não sei o que Félix precisa de demonstrar mais para poder jogar nestas partidas. A menos que a estratégia fosse não jogar para não ter de ser vendido. Gedson a fazer sombra a Frenkie de Jong mostrou a papinha que lhe falta comer para ser um jogador de top. Conti, passe o erro final, mostrou que é o mais próximo de um bom central moderno que o Benfica tem. Rafa não pode mais ceder o lugar a Cervi. Cervi nem a Félix ganha o lugar. Gabriel soma o segundo jogo com más indicações. André Almeida é esforçado, mas na Europa do futebol é insuficiente. O Corchia não está inscrito? E quando olhamos para aquilo que o treinador do Ajax faz com os jogadores que tem e aquilo que o do Benfica deixa no banco, sem sequer considerar usar, é que percebemos que o problema do Benfica é que tem um novo paradigma em que o treino nem sequer é o mais importante! E isso tem consequências.

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+ Rafaldo. Com apenas quatro notas positivas dignas de registo e não querendo nem escolher um para deixar de fora, nem alterar a estrutura da rúbrica decidi fundir Rafa e Grimaldo. São neste momento o duo dinâmico do ataque do Benfica, os destruidores de defesas. Têm ajuda de um Pizzi cujo trabalho passa por vezes despercebido? Têm, mas a dinâmica é entre estes dois. Seja na defesa, seja no ataque, ver o Manto Sagrado a jogar à bola com critério é algo que aparentemente só este duo nos pode dar. Porque Félix, Ziv ou Jonas foram para fazer número no banco, porque o Benfica claramente não precisa dessa coisa de critério com bola. 

+ Conti. Um azar todos temos. O de Conti foi que o azar dele foi a última coisa do jogo e a malta esquece depressa aquela bola que ia perigosamente para lá da linha de golo e que ele impediu de a transpôr totalmente. Bom a sair com a bola controlada, com uns quantos passes a comerem a primeira linha do Ajax, algumas boas jogadas de antecipação e outras tantas de compensação a André Almeida. Precisa de mais entrosamento com os restantes parceiros, mas começa a confirmar a boas indicações que deu na pré-temporada. A julgar pelo jogo de ontem, o melhor central do Benfica, com algum avanço para a concorrência.

+ Vlachodimos. Negou dois golos cantados, se a bola não ressalta em Grimaldo teria segurado o empate e ainda boa atenção a alguns cruzamentos e bom jogo de pés. Transmite segurança aos colegas e às bancadas.


– Sálvio. Peso morto é o que melhor se pode dizer dele. Uma boa acção em todo o jogo, ao minuto 37, devia fazer o treinador repensar porque é que o clube não tem um Zivkovic ou um Félix ou um Pizzi que pudessem jogar naquela posição. Deixa no comum dos adeptos com a curiosidade de onde se compra o Red Pass para assistir aos jogos junto dos jogadores. Apesar de tudo há melhorias é que se em Amsterdão não fez nada, normalmente só faz porcaria. 

– André Almeida. Outro homem invisível. É esforçado e raçudo, mas a verdade é que na Europa, em especial quando o parceiro mais à frente é o raçudo Sálvio, o lado direito é o couto de Aquiles. O que é o couto de Aquiles? É uma espécie de calcanhar de Aquiles se o pé do famoso calcanhar tivesse sido amputado. Com Sálvio e André Almeida o Benfica está sempre mais próximo de atacar mal e defender pior. Há debilidades do processo, mas a forma como é comido por extremos e laterais contrários jogada após jogada após jogada tem uma dose de culpa individual.

– Rui Vitória. Até começaram bem as coisas. O Benfica arriscava dar espaço para depois atacar com a velocidade de Rafa. E a espaços resultava. Mas a verdade é que Seferovic sozinho na frente não dá. Nem ele nem ninguém, porque a linha de apoio mais próxima está demasiado atrás. Eu lembro que nem Jovic nem Cristante conseguiram singrar e agora vemos outro jogador, Zivkovic, que vai de titular para o banco em menos de um fósforo, em detrimento da nulidade que Sálvio foi. Sálvio teve uma boa acção no jogo todo e demorou 37 minutos para a ter. Espero que haja tolerância semelhante para com o Sérvio. Ou se não for o Sérvio, Félix também nem saiu do banco. Deve ser certamente porque com tantos tubarões a verem as pérolas do Ajax, ainda Félix resolvia o jogo a favor do Benfica e era vendido com umas cláusulas em Janeiro. Ver Gedson a desaprender coisas e olhar para Frenkie de Jong quase que faz quem gosta do miúdo desejar que ele se transfira para um Ajax da vida. Nem que seja para evoluir em vez de estagnar. E quando a equipa deixou de construir jogadas ali aos 60 minutos, que fez o Génio das Rotundas? Deixa andar até estoirar. No fundo disse que não ia jogar para o pontinho e tinha razão. Todas as suas acções da segunda parte indiciam que foi a Amsterdão jogar para os três pontos. Para o adversário. Para ser ainda mais difícil o Benfica passar à fase seguinte. Porque já se sabe que se fosse fácil não era para ele.
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