quarta-feira, 12 de setembro de 2018

 

The Pirite Boy Award

Tenho por crença que o futebol de alta competição pode ser equiparado a qualquer profissão altamente especializada que haja. Ser jogador de alta-competição é em tudo equiparável a ser magistrado, médico ou engenheiro. Isso quer dizer que, para lá de se ter uma apreciável paixão por aquilo que se faz, é necessária uma constante aprendizagem, é necessário dominar todo um rol de domínios e ter uma vontade férrea por nos mantermos no topo. Olhando para o mundo em nosso redor, dificilmente aceitamos que um qualquer interessado pela lei possa ser juíz aos dezoito, nenhum médico é deixado numa sala sozinho com um paciente aos dezanove e não há engenheiros contratados para sozinhos liderarem um projecto aos vinte.

Seria importante que a sociedade futebolística olhasse a formação com o mesmo sentido de exigência com que a sociedade civil olha algumas das profissões que lhe servem de pilar. Quando olhamos o êxodo de talento que os anos da troika nos trouxeram, não se vê ninguém a queixar-se tanto dos estudantes que partiram como os que se queixam dos profissionais qualificados que se foram.

No início desta temporada, ao rumor de que Renato Sanches poderia estar de volta, uma larga maioria dos benfiquistas regojizou-se. Houve até quem dissesse que era o casamento perfeito entre aquilo que o Bulo precisava e o que o Benfica precisava. Não me contava nesses grupos. Enquanto Benfiquista não percebo a utilidade de Renato para o grupo, não via sequer a posição dele como aquela que no meio mais precisava de reforço e para lá disso qualquer acordo de cedência faria o treinador do Benfica dotar Renato de um Red Pass Relvado que minaria quer outros jogadores mais evoluídos quer a evolução de outros produtos do Seixal.

O grupo no qual me conto é aquele que defende que Renato Sanches apenas pensou na sua conta bancária quando se transferiu para o Bayern Munique há dois anos e tem pago em reputação e falta de minutos esse pensamento. Foi pois com surpresa que o vi incluído no lote de jogadores convocados para a recente dupla jornada da Selecção, até atendendo a que em quatro jogos oficias do seu clube este ano, Renato conta com zero minutos entre o tempo de jogo ou de banco e não acabou a época transata no outro clube, por lesão.

Recuemos dois anos. Renato é um jogador que privilegia o físico em detrimento da técnica, em idade ainda de júnior e que se afirma num Benfica que cavalgaria (o verbo não é inocente) nas suas costas para um tricampeonato que lhe fugia há quase quarenta anos. A sua capacidade de, com a bola nos pés, comer metros e furar linhas adversárias era impressionante. No entanto Renato era um jogador júnior. Enquandrando com a abertura do texto, Renato era o estudante de enfermagem que, colocado em ambiente hospitalar no seu primeiro ano, começa a revelar alguns dotes para arte. Daí até ser deixado sozinho num quarto de hospital...

Só que Renato é também um jogador que demonstra uma gritante incapacidade de jogar sem bola e um egoísmo que o toldam para o facto de ser o futebol um jogo colectivo. Renato cria problemas à sua equipa que só a inteligência de quem o rodeia (Fejsa, Gaitán, Pizzi, Jonas, Mitroglou) permite disfarçar e transformar no rolo compressor que deixaria Jesus a lamentar-se de com um recorde de pontos, lá da agremiação onde trabalhava, não ter sido campeão.

Poderemos especular o que teria sido Renato treinado por Guardiola. Só que por alturas da contratação de Renato, já era do domínio público que dificilmente Guardiola permaneceria na Baviera no ano seguinte. O que fazia do destino de Renato uma incógnita significativa. É que o Carlo "Coppa di Parma" Ancelotti não tem nem metade das qualidades de quem susbtituia (algo que é verdade em mais do que um clube), e ainda menos no que a ensinar putos diz respeito. Acreditar que Renato com as debilidades que demonstrava ao nível do conhecimento do jogo somaria minutos a titular numa das mais tácticas ligas do Mundo só seria possível por alguém em coma alcoólico durante os festejos do tri, especialmente quando a concorrência incluía entre outros Joshua Kimmich, Arturo Vidal, Thiago Alcantâra e Xabi Alonso. O prémio Golden Boy que ele receberia nesse ano depressa se tornaria num Golden Beer...

Não há muito a dizer sobre os dois anos seguintes da carreira de Renato. Frustrado em Munique no primeiro ano, em que surpreendeu os adeptos pelo quão mau era, seria emprestado ao Swansea no segundo ano. Lesões complicadas, uma delas quando um treinador que o acarinhava se dedicava a apostar nele, hipotecaram a sua progressão. Ora a este nível esperar que um futebolista evolua sem jogar é semelhante a esperar que um estudante de medicina se torne neurocirurgião de elite sem nunca entrar num bloco operatório. Não acontece.

E chegamos à convocatória da selecção. Não sei que evolução teve o Renato, que outros não tenham demonstrado, para chegar lá. Os minutos que lhe deram serviram para mostrar mais do rapaz que gosta de jogar à bola que o Benfica despachou para a Baviera do que um jogador de futebol. Dizer que com Renato em campo a Itália ganhou metros no terreno é só o princípio de conversa. Conversa essa que terá outro tópico na dificuldade acrescida de Portugal em passar os Alpes com Renato em campo.

O que impede então Renato de se afirmar ao mais alto nível? Poderemos falar de vários factores, como um aconselhamento deficiente, ou de como o facto de ser mais forte do que os colegas nas escolinhas lhe permitiram ultrapassar etapas sem ter de desenvolver a mente. Mas sendo na mente que reside o principal problema de Renato, ele não advém dos estímulos a que foi ou não sujeito, ele advém da deficiente preparação mental de Renato para a alta competição. Como podemos ver isso? É ver em que se destacou Renato nos dois anos desde que saiu da Luz. Brilhou nos eventos da Paulaner e brilhou nas redes sociais. Indo ao ponto da falta de noção de lançar uma linha de emojis personalizados no dia seguinte ao clube onde (não) jogava ser despromovido! Não será demais extrapolar isto para aplicação deficiente no treino e uma frustração acrescida por não lhe ser reconhecida toda a sua genialidade. Que ainda manifeste, ao fim de dois anos em duas das mais fortes Ligas do Mundo, a incapacidade de saber onde se posicionar, indo com tudo a todos os lances, sem se importar com os espaços que abre nas suas costas é um aspecto. O outro é o extremo oposto, retirar-se do jogo com demasiado medo do que pode acontecer, não arriscar passes de ruptura sacrificando assim boas jogadas da sua equipa. No Bayern é este último modo que manifestou na pré-época. E terão sido essas as virtudes que Jorge Men... Perdão, Fernando Santos admirou ao ponto de convocar um jogador que tem zero (0000) jogos oficiais esta época, precisa de se adaptar rapidamente ao seu clube e que mal jogou a época passada por lesões mal curadas.

Mas Renato ganhou um prémio Golden Boy! Pois ganhou e como outro qualquer estrela do liceu acho que com o 12º ano a sua vida tinha atingido o pináculo e não valia a pena esforçar-se mais. Foi pena que Renato tenha adoptado Balotelli por referência e não Ronaldo, Ibra ou Messi. É que reconhecer que a capacidade de trabalho e abnegação dos maiores da nossa era é o que os faz enormes e transcendentais é o primeiro passo para se perceber como um jogador com potencial se torna um grande jogador. Ou de como um Golden Boy evolui para ser um Golden Player e não um Pirite Boy.
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