sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

 

A Túnica curta de Jesus

Disseram, pois, uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será. Isso foi assim para que se cumprisse a Escritura, que diz: Dividiram entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes. Os soldados, pois, fizeram essas coisas.

Jo 19:24

Em tempo de Quaresma, para os lados da Luz já se antecipa a Paixão de Jesus. Ontem, em Atenas, ficou por demais evidente que a túnica de Jesus está entregue às sortes dos soldados, que de restos são demasiado grandes para que a túnica os cubra.

Nesta alegoria os soldados são os jogadores e a túnica a táctica do Mestre. Quem se lembra do Jesus da primeira vinda, lembra-se de uma equipa capaz de defender bem com poucos. E que quando defendia em números tornava-se quase impossível de vergar. Que o diga a Juventus... Fazia-o porque todos defendiam, porque se começava a defender mais à frente no terreno, porque haviam noções de espaço e tempos de pressão. Os que vêem o Benfica de agora não vêem isso. Vêem um Benfica que se preocupa em defender com muitos, sem preocupação com o espaço ou tempos de pressão.

Desse defender em números vem a primeia ilusão do jogo de ontem em Atenas. A ilusão geral é que o Benfica merecia outra sorte que não a derrota. É uma ilusão válida. O Benfica sobrepovoou as zonas mais próximas da sua área, defendendo várias vezes com uma linha de 4 à frente de uma linha de 5, que dificultaram ao adversário a capacidade de encontrar espaços. A túnica serviu nesta fase para tapar o rabo à equipa.

O problema é que sendo a manta curta, ficou o tronco decoberto. O Benfica sentiu, ao longo de toda a partida, imensas dificuldades em chegar à frente. E das poucas vezes que o conseguia, esbarrava na incapacidade dos seus jogadores em se ligarem.

Comecemos pelo evidente Seferovic. Podem acusar-me de embirrar com ele, mas a verdade é que eu embirro é com quem acha que é com ele que vamos ganhar jogos destes. Nos primeiros 10 minutos da partida o Benfica consegue colocar a bola na área, em situações que só não foram de perigo porque o Suíço é tão desligado dos colegas que não se consegue oferecer como solução. O lance, ainda nos primeiros 2 minutos em que procura o cacho de defesas do Arsenal e não o espaço vazio onde Diogo Gonçalves colocaria a bola é paradigmático da qualidade que oferece.

Seria no entanto injusto estar a castigar muito mais a barata tonta que é Seferovic. Rafa e Pizzi, os responsáveis por ligar o jogo, estavam tão atrás que eram incapazes de o fazer. A preocupação em povoar a defesa, para não sofrer, traduziu-se em o Benfica proactivamente boicotar o seu ataque. Lances de ataque eram lançamentos largos para a corrida e disputa de bolas.

E a verdade é que o Benfica podia ter sido feliz. Um livre irrepreensível de Diogo Gonçalves à beira do intervalo, na resposta a um lance em que Hélton Leite evitou o golo de um arsenalista isolado na cara dele, seguido de um erro clamoroso de Ceballos a deixar Rafa com o espaço que gosta, meteram o Benfica na condição de líder da eliminatória. Só que aí começou a notar-se os efeitos da dança do banco. A verdade é que Darwin dá a mesma capacidade de segurar jogo de Seferovic. Que é como quem diz, nenhuma. Gabriel é garante de bolas oferecidas ao adversário. E se juntarmos à incapacidade técnica, uma incapacidade táctica então temos de 'agradecer' os minutos em que estivemos por cima da eliminatória, e compreender que a eliminação foi natural.

Há aquela máxima do 'ou passa o jogador ou a bola'. O Benfica da ocupação de espaços e do defender com poucos era o Benfica que visava que a bola não passasse. Era um Benfica que percebia que é a bola que tem de entrar na baliza para haver golos e se não houver espaço por onde a bola passar, pouco importa se o adversário tem lá um ou dez jogadores. O Benfica da ressurreição é o Benfica do não passa o jogador. É o Benfica que, como no lance do primeiro golo sofrido, está preocupado em não dar espaço ao adversário, mesmo que nesse acto ofereça espaço à bola para entrar. O espaço na defesa, por onde Aubameyang vai entrar, várias vezes ao longo da partida, surge da preocupação do colectivo não em tapar os caminhos para a baliza, mas de não dar espaço ao jogador individual. E assim fica mais fácil.

Para acabar o ramalhete, para descansar Grimaldo entra Nuno Tavares. Ter Nuno Tavares no plantel diz tudo o que precisamos de saber sobre a qualidade deste plantel. Não tem capacidade técnica nem táctica para estar num plantel de uma equipa que se queira assumir como vencedora que qualquer coisa que não seja um distrital. Pode ter a força e a vontade, mas falta-lhe tudo o resto. Passou por dificuldades frente às equipa do CNP que defrontámos na Taça de Portugal, e já tem responsabilidades não negligenciáveis em dois golos sofridos decisivos. Ontem um, outro em Alvalade. Claro que para os adeptos dos 'raçudos' a culpa é sempre de outro. Há sempre um GR, um central, um trinco, um periquito ou um caniche para culpar. O gajo que faz o Bruno Cortez parecer bom jogador é que não.

E aqui percebemos muito do que é a túnica curta de Jesus, um auto-proclamado Mestre da Táctica que vive dos tempos em que fazia o que poucos faziam. Tempos em que não havia uma geração de treinadores que cresceu a estudar o que fazia. Um treinador que evoluiu pouco e mal. Um treinador dado a birras. Que culpa sempre os outros das escolhas próprias. Há jogadores no Benfica que tecnicamente têm mais qualidade do que as escolhas do treinador. Mas as opções tácticas tomadas expõem os maus, e pioram os bons. Como o esquema de 3 centrais que não quer ganhar jogos, só os quer não perder. É pouco para o Benfica.

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