terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

 

O Direito Divino a Ganhar

Numa animada sessão de mines e tremoços no outro dia, entre um balde de massa acartado e uma parede mal assente, desafiava-me um caríssimo co-picareta a fazer uma análise aprofundada à camada mais superficial do que a mudança do Vitalismo para o Entusilajo havia representado para os seguidores da Igreja Gloriosa do Reino de Eusébio (para os vieiristas refiro-me aquilo que eles conhecem como Vieristão).

Parecendo que há muito a dizer, a verdade é que não há ainda muito que se diga. No Benfica, não parecendo, estar em crise é estar em segundo e não depender de nós para passar para primeiro. Não importa se se está a um ponto do primeiro ou a dez. Não importa quem é o primeiro. Estar em segundo e não depender é o verdadeiro estado de crise. Daí que o verdadeiro teste a qualquer treinador do Benfica não seja colocar o plantel a jogar à bola. O plantel já é um dos dois melhores em Portugal, se não o melhor, e só precisa é de alguém que ajude a qualidade a vir ao de cima.

Ao contrário do seu antecessor, Bruno Lage tem conseguido tal feito. Tem-no conseguido de uma forma que até faz com que pareçam úteis jogadores que são técnica e tacticamente dignos de figurar numa lista que inclua Bossio, Tahar, Leónidas e Pringle. Se estão a pensar que lista poderá ser essa, posso ir adiantando que não é a lista dos melhores da década de 90... Só que isso são os serviços mínimos. No Benfica, isso de se criar uma forma de jogar em que se treina e em que nos jogos se vê que há treino; isso de apostar em jogadores que conhecem as movimentações dos colegas; isso de dotar os jogadores da capacidade de explorarem pontos fracos do adversário; isso de achar que ganhar por 3-0 ou por 10-0 para o campeonato são coisas diferentes; isso de achar que ganhar por 3-0 ou por 3-1 não é a mesma coisa, tudo isso são os serviços mínimos. Portanto na melhor das hipóteses, até ao momento Bruno Lage o que conseguiu foi cumprir os serviços mínimos.

Não serve isto de forma alguma para desvalorizar o seu trabalho. Lembremos que o seu antecessor não só era manifestamente incapaz de cumprir esses serviços mínimos, como tinha conseguido a proeza de colocar o Benfica a jogar de uma forma em que se defendia um golito de vantagem, se oferecia iniciativa ao adversário e em que o empate era um mal menor. Um Benfica que jogava um futebol de solteiros e casados, e em que até os melhores jogadores pareciam ser dignos da supra-sugerida lista.

O mérito de Bruno Lage passa por ter devolvido aos Benfiquistas uma coisa que parecia perdida. Não sei como se chama. Será confiança? De facto, neste momento damo-nos ao luxo de criticar o Ferro por se ter expulso, porque acreditamos que ou o Vlachodimos defenderia um remate do avançado do Aves, ou mesmo que  este marcasse, isso só serviria para espevitar o Benfica a ir procurar o quarto e o quinto golos. Lembro que há dois meses era certinho que um golo sofrido seria uma machadada na confiança, dos adeptos aos jogadores, e uma dose renovada de crença para o adversário. Será a esperança? Devo dizer que desde aquele ano do rolo compressor que foi ao Dragão jogar com um misto de menos utilizados e jogadores da B para disputar já nem sei se uma meia final da Taça ou um jornada do campeonato que já só contava para o totobola, que não sentia tanta esperança numa equipa que me desse títulos.

E chegados à fala sobre o jogo do Dragão, será nesse jogo que se poderá fazer uma devida e final avaliação daquilo que Lage trouxe à equipa. Não falo do resultado final. Aqui digo que, mesmo sem factores frutescos, falando apenas do que importa, o jogo jogado, a minha suspeita é que o jogo de pressão alta e posse controlada que o Benfica tem colocado no relvado será insuficiente para o choque físico e bola longa do Futebol Clube do Porto. Acredito que o Benfica perderá o jogo do Dragão e que a grande prova, o que fará desse jogo o exame final de Lage, aos meus olhos pelo menos, será se o Benfica perde o jogo e sai vencido, ou se perde só o jogo. É que a história diz-nos que um Benfica que vai ao Dragão jogar como o fez em Alvalade, até pode perder aquele jogo, mas estará sempre mais perto de ganhar o campeonato. Essa é a verdadeira exigência a Lage: um Benfica que entra em qualquer Estádio com a certeza que tem o direito divino de lá ganhar e que só lhe falta concretizar esse direito. Mesmo que às vezes a injustiça dos Homens lho sonegue. É que só pode treinar o Benfica quem compreender que "o direito divino a ganhar" de que se queixava um treinador de má memória não é um defeito da massa adepta. Tem de ser a cultura do clube.
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