quarta-feira, 19 de junho de 2019

 

Direi mesmo mais - Considerações sobre Decreto Ministerial.

O excelente texto do Ministro Rui Monteiro será certamente fruto de uma análise mais cuidada em futuros episódios do Conversas no Andaime. Enquanto tal não sucede, porque nisto podem sempre haver problemas com fornecedores, uma greve nos transportes, uma inspecção da ACT ou pior, do SEF, permito-me realizar aqui alguns pensamentos que despoletou em mim.

A nota prévia que se impõe é que este texto dificilmente se propõe ser uma resposta. Como dou a entender no título, será muito mais uma repetição do nível Dupont e Dupond, só que neste caso feita por alguém com infinitamente menos capacidade intelectual. No fundo, no fundo, aquilo que faz distar o Ministro das Obras Públicas de um trolha no estaleiro.



O primeiro comentário que me merece o texto é que há a meu ver duas situações imensamente bem explicadas. A primeira a do negócio em que o futebol se tornou ("Se há lucro e acionistas bem remunerados pelo capital investido, o objetivo está cumprido e os meios pouco importam."); a segunda aquilo em que a perda de competitividade do futebol português transformou os adeptos ("Os adeptos passaram a festejar transferências como quem festeja golos, vitórias e títulos."). Se faço uma distinção entre futebol, fenómeno global, e a modalidade que se pratica na República Portuguesa, é porque sinto que tal se impõe. E onde discordo do Decreto Ministerial é precisamente por não mencionar tal distanciamento.

Na verdade, nem sequer é preciso ir aos exemplos culturalmente antitéticos dos países do centro da Europa ou das competições Inglesas. Basta olhar para a vizinha Espanha, para a muito parecida Itália, ou para as distantes Grécia, Turquia e Roménia, para verificar que em nenhum destes países há um campeonato de transferências como o que se verifica em Portugal. E se nos casos Espanhol e Italiano, por serem, digamos assim, Campeonatos Predadores de Talento, a comparação poderia ser fraca, na verdade é que nos outros casos fica mais complicado de explicar.

Podemos então entrar pela questão do 'Ah, mas esses não são formadores!' Que constituiria apenas um espantalho na discussão. Relembro que estamos a falar de como os adeptos passaram a celebrar a venda de um activo do clube com igual ou mais paixão do que os títulos. Na falta de títulos para o museu (e mesmo quando os há...) não faltará então quem tente ir buscar um qualquer recorde rebuscado (melhor marcador dos médios centro que jogam, à frente da linha de meio campo; melhor ponta de lança com mais de 28 anos e que tenha jogado no clube P; melhor guarda-redes que jogou no País A e G, com dupla nacionalidade e mais de 1,85 metros de altura; etc), com cumplicidade e até encorajamento de uma imprensa a definhar e a precisar de vender qualquer coisa, a qualquer custo, para agradar a qualquer ego.

Ora, sucede que, como disse recentemente, eu sou do tempo em que o Presidente do meu clube querer vender o melhor jogador deu direito a motim interno dos adeptos. E isso ocorreu há menos de 20 anos. Neste momento os que se borram todos de pensar que o clube volta a esses tempos encorajam a que o Presimente ande pelo Mundo fora a vender não apenas o melhor, mas todos os que sejam de muito bom para cima! São aqueles que olham para o campeonato das transferências como um fim em si e não algo que surge como consequência da excelência desportiva do clube. Só assim nas suas cabeças faz sentido a existência do Parceiro Preferencial, que só serve para afastar os melhores. E mais irónico ainda, há quem nos rivais inveje este estatuto e queira fazer parte. É "O dinheiro gera dinheiro" tornado objectivo do clube de futebol de que nos fala o Rui Monteiro.

Ora, a mim isso causa-me alguma estranheza. Sem bons jogadores, será impossível termos um campeonato nivelado por cima. Sem capacidade de prender bons jogadores, ficará igualmente complicado atrair bons treinadores. Sem bons jogadores e bons treinadores o produto futebol que podemos dar será uma merda e isso afasta patrocinadores e público alvo, num mercado cada vez mais global. Já para não falar das geniais participações de clubes na Europa. Quando vejo aqueles apelos a "apoiar os clubes Portugueses na Europa" por causa do "ranking da UEFA", repetidos à exaustão pelos adeptos do campeonato das transferências, a estranheza cresce para um nível 'Svilar na lista para Golden Boy'.

E é aqui que entra a questão do futebol global. Cada vez mais, em cada vez mais lado, há a percepção deste ciclo virtuoso. E se ter dinheiro, ainda que sujo, ajuda, não o ter permite uma percepção mais precoce de como conseguir ser relevante.

Daí que campeonatos menores, como o Holandês (ranking UEFA abaixo de PT; consequentemente menos equipas na Europa; menos dinheiro a circular de patrocinadores; país de dimensão comparável) tomem medidas para aumentar a competitividade em campo. Ou a aposta de todos os clubes Belgas, em formação, mesmo que neste caso com forte apoio do Governo Federal. Melhores jogadores, melhores treinadores, melhor produto para vender. Máxima essa que é também seguida pelos endinheirados. Que vão, cada vez mais, a estes campeonatos empobrecidos em busca de talento que alimente as suas máquinas.

E isto traz-nos de volta ao campeonato Português. O campeonato das "melhores formações" do Mundo, incapaz de formar jogadores aptos para os campeonatos mais exigentes. O campeonato dos campeões da Europa, incapaz de ter clubes a discutir ombro a ombro com os maiores da Europa. Um campeonato de recordistas de vendas, onde falta dinheiro para atrair talento ou para sequer o segurar. É azar? É sintomático? Não sei, mas gostava que os adeptos do campeonato das transferências me dissessem.
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